O baixinho, a garçonete e a vontade de acabar com isso!
Texto de 28 de janeiro de 1999, publicado no jornal Integração, de Itaúna
Lá estava eu, na capital de todos
os mineiros, em um bar da Rua Carijós, tomando uma cerveja gelada em companhia
de alguns amigos dos tempos do “Jornal de Minas” e “Diário de Minas”, quando
lembrávamos das noites passadas em botecos e boates, na boemia
belo-horizontina. No bar, além do nosso grupo, algumas pessoas acomodadas em
mesas e bancos próximos do balcão. Conversa fluía normalmente quando foi
interrompida pela chegada de uma personagem diferente: um senhor, aparentemente
uns cinquenta e pouco anos, de baixa estatura, narigudo, com profundas
olheiras. Ele entrou no bar, aproximou-se do balcão e, com voz meio chorosa,
pediu uma dose de conhaque. Ao ser servido, mandou que o garçom enchesse o
copo, que bebeu de um só gole.
No ambiente fez-se silêncio,
todas as atenções voltadas para ele. Até mesmo o bater das asas de uma mosca
podia ser ouvido. Então, o baixinho raspou a garganta e pediu outro conhaque.
Novamente o copo cheio, que ele, de novo, virou de um só gole.
Dois copos de conhaque e ele
parecia que não havia bebido nada. Sentou-se num banquinho perto do balcão,
enfiou a mão no bolso e tirou um papel – parecia uma folha de caderno – e
passou a ler algumas palavras ali escritas. Aproveitei aquele tempinho para
pedir outra cerveja ao garçom, a renovação do tira-gosto e dei uma olhada mais
detalhada no tal baixinho. Ele era quase careca, só alguns montinhos de cabelo
nas laterais da cabeça, pouco acima das orelhas e outra pequena quantidade
acima da nuca não o deixavam ser totalmente careca. O nariz era enorme, e
entrava copo adentro quando ele bebia conhaque. Os olhos miúdos quase sumiam
com as olheiras. A boca, um simples fio que recortava o queixo de um lado a
outro, que só se mostrou quando ele bebeu conhaque. O baixinho também era
barrigudo e era mais baixo até do que aparentava, pois nos pés, usava sapatos
com saltos enormes, reforçados por uma plataforma que tinha a função de
aumentar-lhe alguns centímetros na altura aparente, com certeza.
Minha análise foi interrompida
quando, mais uma vez o baixinho pediu conhaque ao garçom. Outra vez mandou
encher o copo. Neste momento uma garçonete que eu ainda não tinha notado, se
aproximou dele e, demonstrando enorme compaixão – como só as mulheres são
capazes de sentir, e demonstrar – quis saber o que se passava com aquela
criatura que a fazia beber copos seguidos de conhaque:
- "É o amor”, disse o baixinho, para
completar em seguida: “ou o desamor, sei lá. É essa coisa que nos domina, nos
enche de vida e, quando vai embora leva tudo, só nos deixando a vontade de
acabar com tudo isso de uma vez...”, concluiu em tom dramático.
Ele falava rápido, sem dar tempo
para intervenções, desabafando: “e é esta vontade de acabar com a vida que me
dá forças para me embriagar pela última vez, até que me chegue a coragem para
subir em um prédio bem alto e pular lá de cima. Aí sim, vou ser feliz de novo,
feliz e livre... e ela, ela vai carregar nas costas o peso de uma vida, da
minha vida, para sempre!!!”
Ao dizer essas palavras, pediu
outro conhaque, copo cheio. Então veio o inusitado: a garçonete tirou o
avental, sentou-se ao seu lado e também pediu um conhaque, também copo cheio, e disse para o
baixinho:
- “Eu vou entrar sua... Também
fui abandonada pelo meu marido que me trocou por uma sirigaita porque ela é
mais nova. Tô com seis meninos para criar, sozinha, trabalho nessa espelunca,
ganho pouco, sou obrigada a aceitar cantada de clientes, de vez em quando, para
arranjar algum dinheiro extra, votei no FFHH achando que as coisas iam
melhorar...”
- “Também votei nesse homem, que
merda, tá tudo pela ‘hora da morte’, foi só passar as eleições que ele mostrou
a verdadeira face...”, disse o baixinho, aceitando a companhia da garçonete,
sua colega de infortúnio.
Ela começou a chorar, pediu uma
cerveja – “pois conhaque é muito forte e eu não quero pular do prédio com você,
muito bêbada, quero curtir meu último momento, que gritar bem alto que eu odeio
o Paulão!” – esse é o nome do ex-marido dela... “Ah, e qual é seu nome
mesmo?”...
- “Genebaldo, Genebaldo da Silva
Reis, representante de vendas da Maremar Malhas, as melhores do país”,
apresentou-se ele. “E você? Como se chama?”
- “Maria Antônia. Maria Antônia
de Oliveira. Era Peixoto, mas o Paulão me largou e levou o ‘Peixoto’ com ele.
Os meninos têm Peixoto, eu não uso mais, ainda tem ‘Peixoto’ nos documentos,
mas depois da separação eu só “de Oliveira”, mas também ‘Peixoto’ é muito feio...”
Pediram outra cerveja. Ele parou
de beber conhaque. Comeram alguma coisa. Ela, às vezes, mais emocionada,
chorava... ele, para consolá-la, segurava suas mãos, dizia-lhe palavras
carinhosas...
O tempo foi passando. Nós não
arredávamos pé, afinal, queríamos saber aonde ia dar aquilo. Até que em um dado
momento a Maria Antônia falou para o Genebaldo que não aguentava mais beber...
Ele pediu a conta. Pagou. Segurou as mãos de Maria Antônia e os dois foram
saindo.
Aí o garçom não aguentou e
interpelou o casal:
- “Peraí, Tonha (esse era o
apelido dela), para onde eu mando o dinheiro do seu acerto? Se o Paulão vier
buscar eu entrego pra ele? Os seus meninos são pequenos, ainda, e eles não
devem vir... Pensa bem, antes de fazer besteira. Se quiser, pode voltar para o
trabalho amanhã, eu te aceito, de volta...”
Ela limpou o rosto, borrado pelas
lágrimas, arrumou o cabelo, e perguntou para o garçom: “você jura?”. Ele
respondeu que jurava. Aí ela arrematou: “amanhã eu volto. Não vou fazer nenhuma
besteira, eu e o Gê – já estavam íntimos – vamos pra casa, combinar se vamos
ficar no meu barraco ou no dele. Nós vamos ficar juntos, um entendeu bem o
outro, sabe? Acho que vai dar certo”, e saíram.
Não restou a nós outros, outra coisa que não brindar à felicidade do casal que acabara de se formar. E, pelo visto, fez-se de novo a máxima de que a cura de um desamor é só um amor novo... Fecha a conta!
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