O bom(?) de bola

 

- crônica publicada no jornal Folha do Povo, de Itaúna, na década de 1990.

Cá na nossa terrinha, qualquer jogadorzinho de futebol “meia-sola”, está ganhando mais que um operário de ponta. É até ridículo ouvir falar do salário de um Ronaldinho, por exemplo, em um País onde o salário-mínimo é de 151 reais. E essa distorção de valores tem formado idiotas aos montes em nosso País. É cômico assistir a uma entrevista desses “astros do futebol”, ou mesmo aos “grandes valores” da música brasileira na atualidade, como aqueles chatos, componentes do grupo “Bonde do Tigrão”.

Jogar bola ou cantar baboseiras no Brasil, hoje, vale mais que estudar medicina, astrofísica ou mecatrônica, só para citar três cursos universitários que exigem do candidato conhecimento “zilhões” de vezes superior a um “pagodeiro da vida”, como diz um amigo meu. Deve ser por esse motivo que, aqui na ‘Pedra Preta’ não é necessário completar uma sentença inteira para ser chamado jornalista... E tem mais: “doutor” é título dado a quem ocupa uma posição acima dos simples mortais, mesmo que o recebedor do título pouco saiba sobre os trâmites e etapas para se chegar a um doutorado. Tem “doutor”, “jornalista” e “professor de futebol” por demais inundando nossos dias. E explico, aqui, a inclusão do “professor...”: vocês já ouviram alguma entrevista com jogador de futebol quando ele precisa falar sobre o técnico. É sempre a mesma coisa: “nós vai(sic) cumprir as determinação(sic) do professor...”.

Bem, o assunto de hoje é futebol, mas não é para eu esculhambar com a proliferação de algumas “raças” somente encontradiças onde grassam puxa-sacos de montão. Nosso caso é sobre um cidadão que teimava em jogar bola, mesmo sem ter conhecimento de quantos lados a bola têm. Falando em não saber dos lados da bola, encontrei dia desses com o Dr. Gerson (que me lembra a figura esférica), na Praça da Matriz e ele foi logo pedindo para eu avisar ao Murilo que ele (Gerson) está “de regime”, novamente. Com certeza, está com saudades da feijoada do Uni-Duni-Tê. Falar nesse estabelecimento comercial, o Renilton perguntou “qual ligação tem a primeira sílaba do nome do estabelecimento com o local onde Murilinho está ganhando a vida ultimamente?”. Não soube responder. Renilton sabe...

Mas o caso é outro. O tal pretenso jogador de futebol era um cunhado meu, dos tempos de BH. Eu, meus irmãos, meu pai, um tio, primos e alguns amigos formamos um time de futebol, com dois quadros (1º e 2º), quando disputávamos o futebol de várzea da capital. Nosso time até que praticava um futebolzinho razoável. Temos muitas vitórias “no balaio”, sem esquecer de derrotas que nunca nos deixavam tristes, pois o que importava era estar em campo, correndo atrás da redonda e, depois, refrescando-nos em torno de uma mesa repleta de garrafas de cerveja, sempre vazias, pois não éramos de esperar o líquido esquentar.

A escalação do time era quase que uma distribuição de funções na família. Jogávamos na mesma equipe, eu, meu pai, dois irmãos, um primo, um tio e um compadre. E, como o negócio era entre família, meu irmão mais velho dirigia o 2º quadro e meu pai o 1º quadro. Então, namorador que era, arrumei uma namorada e, consequentemente, vários cunhados, pois a família da moça era grande. Dentre eles, um que se gabava de jogar futebol muito bem. Tanto falou de suas qualidades como jogador que, para agradar a namorada e fazer uma graça para a sogra, convidei o tal cunhado para jogar no “nosso time”. Ele aceitou.

No domingo seguinte, tínhamos jogo marcado e meu irmão prometeu escalar o “jogador” no 2º quadro, para ver se ele seria aprovado. No sábado, dei-lhe a notícia e, no domingo, lá estava ele, de chuteira nova, meião novo, caneleira e um andar típico dos craques. Feita a preleção, meu irmão entregou ao “craque” a camisa dez. A camisa mais importante do time. No primeiro quadro era ele, meu irmão, quem jogava com a dez. Ele fazia questão de só entregar a camisa para “o melhor jogador do time”. A camisa 10 tem que ser honrada, ela é do Rei Pelé, dizia ele para valorizar a camisa e, certamente, para valorizar também o seu futebol que, diga-se de passagem, não ficava nada a dever a muitos craques da atualidade.

Começou o jogo. Dez minutos, e meu cunhado não havia sequer encostado na bola. Trinta minutos e ele havia dado dois passes errados e um chute para fora. Acabou o primeiro tempo e ele ficou só nisso. No intervalo, levou uma bronca do meu irmão e falou que estava se adaptando ao esquema de jogo, mas que no segundo tempo ia brilhar. Passou os primeiros 42 minutos da segunda etapa sem tocar na bola. Parecia até que a “redonda” corria dele. Se o nosso time atacava, ele estava na defesa. Se éramos atacados, ele estava no ataque. Em momento algum, nem mesmo na hora da cobrança de um lateral, ele chegou perto da bola. Aí, aconteceu um escanteio a nosso favor. Meu irmão, tentando fazer com que o “craque” pegasse na bola, mandou que ele cobrasse o escanteio.

Ele foi. Ajeitou a bola, bateu a poeira do calção, deu uma puxada na camisa para ajeitá-la no corpo, correu e... aconteceu o inesperado. Na hora de chutar a bola, ele levou o pé esquerdo à frente e ao acionar o pé direto, acertou seu próprio calcanhar. Levou um tombo cinematográfico. Pior, acertou a bola com as mãos. O juiz apitou a falta contra nossa equipe. Final do jogo pouco depois. Perdemos por um a zero.

O cunhado? Ah... só deu notícias na semana seguinte, quando uma vizinha dele foi a minha casa, entregar o uniforme do time, junto com os presentes que eu havia dado à irmã dele, minha ex-namorada, a partir daquele dia.

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