O cobrador que não sabia ler e o fazendeiro pão-duro!
Texto narrando acontecido lá pelos lados do Norte de Minas,
um pouco real, um pouco ficção, mas que aconteceu, aconteceu, ah, isso aconteceu... rsrsrs
Um amigo meu sabia como passar a lábia - como dizem os mais antigos - nas pessoas. Foram inúmeras as vezes que vi ele convencer as pessoas de suas convicções, mesmo que encontrasse pela frente o cidadão mais difícil de ser convencido. E era assim, gostava de fazer uma "arrelia" com os amigos. Em questão de movimentação financeira, então, era um artista em levar vantagem. Não dava ponto sem nó, diziam dele. E um caso que presenciei, em parte - o dia que o cobrador esteve na casa dele para tentar receber um dinheiro - aconteceu mais ou menos assim:
O Turco - era assim que o moço era conhecido em meio aos amigos e também aqueles nem tão amigos assim - recebeu um
cobrador em sua casa, enquanto jogava sinuca com os amigos. O cobrador aguardou
um pouco, até acabar aquela partida, mesmo que impaciente, mas tinha de esperar se queria receber, pois
era difícil localizar aquele devedor.
Depois de mais de duas horas
esperando acabar o jogo, veio de lá o Turco, todo sorridente. Chamou o
cobrador a um canto, passou-lhe o braço sobre os ombros em tom de camaradagem,
se apossou de uma folha de papel, caneta, e escreveu algumas frases. Em seguida
recitou o escrito, visto que sabia ser o cobrador, analfabeto:
- "Élio, o dinheiro do Paulo (nome
do cobrador) está com você". E acrescentou: "ponto!"
Falou isto, entregou o bilhete ao
cobrador e disse:
- Olha Paulo, leva lá esse
bilhete ao Élio, que ele está com o seu dinheiro e vai te passar, ok? Entendeu
o que está escrito? Mas antes, toma aqui um refresco de tamarindo, que está
muito quente. E foi pedindo: Maria, traz aí um refresco de tamarindo para o
Paulo.
Tomado o refresco, enquanto
o Turco saía, de carro, Paulo, com o bilhete no bolso da camisa, se apressou a
ir até o Élio, pegar o dinheiro. Foi ligeiro, encontrou o Élio cerca de uma
hora depois, zanzando em meio às barracas do mercado Entregou a ele o bilhete e aguardou ‘a grana’.
Élio pegou o bilhete, examinou,
leu, coçou a cabeça e disse:
- "Não, não está comigo!"
- Mas como? Não está com você, como? Olha aí, ó, o Turco leu pra mim. E recitou o que tinha ouvido do devedor, quando foi fazer a cobrança, como se tivesse relendo o bilhete: “Élio, o dinheiro do Paulo está com
você!" E se lembrou do final: "ponto”, repetiu Paulo, imitando até o tom de voz do Turco.
- Pois é, Paulo, aqui está me
perguntando se o dinheiro está comigo. E não está, é isso.
- Mas não é isso. Olha o que o
Turco escreveu! E repetiu a fala, que conforme disse-lhe o Turco, estava no bilhete, uma, duas vezes... E sempre que terminava de recitar o que estava escrito, repetia "ponto!"
-- Ah... então é isso, Paulo. O Turco só falou ‘ponto’, e não explicou que esse ‘ponto’ é de interrogação. Ele está me perguntando se o dinheiro está comigo... E não está. Só isso. E deixou o Paulo com o bilhete na mão, fulo da vida, porque não tinha conseguido receber o dinheiro que Turco lhe devia, mais uma vez.
Foi enrolado, de novo, e até hoje, não se sabe se ele recebeu ou não o dinheiro que o Turco lhe devia.
Outro caso, que acompanhei, de perto, foi o seguinte:
Foi em uma viagem que
fizemos com Turco (eu e o Élio, de novo), em que um fazendeiro, de nome Antônio,
pegou uma carona, com o Turco, até Belo Horizonte. A fama do tal Antônio era de que
ninguém conseguia lhe “passar a perna”, como dizem os mais antigos. E que também era um tremendo do "mão-de-vaca", aproveitando todas as chances possíveis para economizar uns trocados. E a carona era uma dessas oportunidades que ele visualizou. Mal sabia o que lhe esperava.
Durante boa parte da viagem, o Turco esteve
mais calado, parecia estar arquitetando algo. Quase chegando em Sete Lagoas,
ainda no município de Paraopeba, paramos na lanchonete ‘Leite ao Pé da Vaca’,
local que indico a quem passar por aquelas bandas, dado ao aprazível do lugar e à qualidade dos produtos colocados à venda. Sempre parávamos naquele local quando em visita a Belo Horizonte, vindos do Norte de Minas.
Entramos os quatro na lanchonete
para fazer um lanche. Lá dentro, após o lanche, um café quente, o Turco começou a comprar as coisas de costume: queijos, doces, carnes, biscoitos... A
cada item que ele comprava para si, pegava mais um para cada um de nós,
inclusive para o fazendeiro Antônio. O porta-malas do veículo não cabia mais
nada quando o Turco pediu a conta. Conta altíssima, de muitos reais...
Mas na hora de pagar, o Turco começou a escarafunchar os bolsos. Mexe aqui, mexe dali, levou a mão à
testa e disse: poxa, esqueci o cartão e o talão de cheques... E chamou o
fazendeiro:
- Meu grande amigo Antônio, esqueci o cartão e o talão de cheques. Paga aqui pra mim, que chegando lá na capital, vamos ficar em apartamentos próximos, aí eu dou um jeito e te pago.
Feito isso, seguimos. Ele me deixou na
Rodoviária de BH e, ao abrir o porta-malas para eu pegar minhas coisas ele
olhou pra mim, rindo, fez sinal de silêncio e me mostrou dois talões de
cheques, vários cartões e algum dinheiro – suficiente para pagar aquela conta e
outras mais –, se despediu, entrou no carro e seguiu viagem.
Disseram depois que ele deixou o Élio em um local, o Antônio em outro e, em seguida, viajou para Brasília, onde ficou alguns meses. O Antônio, bem, se recebeu foi muito depois, mas com certeza nunca mais quis pegar carona para economizar os custos da viagem... rsrsrsrs
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