A vingança do Pequi
Texto publicado na década de 1990 no Jornal Spasso, de Itaúna
Para quem não conhece o pequi, assim como a Soninha não conhecia a manga, vale explicar do que se trata. Segundo o Dicionário Aurélio, pequi é “fruto drupáceo, oleaginoso e aromático, estimado como condimento para arroz e para fabricar licor”. E como registro, aqui temos o nome e sobrenome da árvore que produz dos frutos mais admirados/odiados destas Minas Gerais e também ali para as bandas do Goiás: Caryocar brasiliense! Como podem ver, o pequi tem nome, sobrenome e pedigree, além de admiradores suficientes para me encher as burras de cobre, caso me dispusesse a escrever sobre suas qualidades. E é preciso acrescer que, aqueles que conhecem o fruto, assim como eu, após as informações contidas no 'Aurélio', como descrito acima, sabedor se torna de que o filólogo preferido conhecia da língua pátria como ninguém, mas, em matéria de pequi, era quase tão ignorante como a Carla Perez, em se tratando da gramática portuguesa.
Dito e posto, não poderia me
furtar – do verbo praticado por alguns políticos brasileiros: ele furta, eles
furtam, nós... pagamos a conta – de repetir a piadinha do momento: dizem que a
medida dos quadris da loirinha do Tchan são proporcionais aos neurônios. Quanto
maior a medida dos quadris, menor o número de neurônios...
Voltando ao 'Aurélio', devemos registrar
que, além de ‘estimado condimento para arroz e fabricar licor’, o pequi
acompanha – quando não é o prato principal – um sem número de iguarias, fazendo
assim, parte considerável dos melhores pratos das cozinhas do nosso sertão. Isso, além de oferecer uma castanha da maior supimpitude, ainda pouca
explorada, até mesmo para acompanhar como tira-gosto, os muitos goles das
aguardentes produzidas na região.
E dentre esses muitos pratos possíveis com o pequi, aprendi
a fazer uma galinhada com pequi de fazer lamber os beiços. Pratiquei bastante a
confecção da iguaria, quando passei temporada trabalhando com o “califa de
Pirapora”, ocasião em que me serviam de cobaia os colegas de redação lá na ‘Folha
de Pirapora’. Criei fama por ali e um dia daqueles o ‘califa’ me pediu que
preparasse um prato para ser servido a um auxiliar de uma secretária, que por
sua vez secretariava um secretário de setor de uma secretaria estadual. Já deu
para notar a representatividade do cidadão ante os corredores do poder na então
Praça que deveria ser da Liberdade, mas que servia mais à libertinagem, dado às
ações de alguns de seus passantes. Voltando à representatividade do convidado:
nenhuma, mesmo. Mas, mesmo assim ele se apresentou na região como alguém capaz
de alavancar recursos para a prefeitura construir uma ponte sobre um afluente do
Rio São Francisco, ligando Pirapora a um terreno onde seria construído um
condomínio habitacional, em Buritizeiro, ou algo do tipo.
Enquanto preparava o jantar –
galinhada com pequi – beliscávamos uma carne de sol assada, acompanhada da
Antárctica estupidamente gelada e alguns goles de Havana, a melhor bebida
destilada do mundo, sem dúvida. E a pseudo-autoridade foi ficando embriagado à
medida que se esgotavam as garrafas de Antárctica e o litro de Havana, que
diga-se, contava com o acompanhamento de perto de dois seguranças, de vigia
constante, para que nenhum afoito tentasse com a bebida fazer uma caipirinha
como já quasse acontecera em outra oportunidade. Pronto o jantar, foi servido.
Nós todos, convidados à mesa do ‘califa’, aguardamos que o ‘figurão’ se
servisse. Ele colocou um pouco da galinhada no prato e serviu um – apenas um –
pequi.
Comeu toda a galinhada e partiu para
saborear o fruto cheiroso, de quem falavam maravilhas. Pousou o garfo sobre o
fruto e tentou partir-lhe com a faca, pois não sabia que o pequi pega-se com a
mão e rói-se-lhe a carne – depois desta, já tenho cadeira reservada na Academia
Itaunense de Letras que se projeta em conversas do Dr. Guaracy com o Alberto
Libâneo, rsrsrs. Pois bem, como o pequi teimava em não aceitar o corte com a faca, o tal cidadão não teve outra escolha que não pegar
o pequi com as mãos e levou-o à boca. Ao invés de roer a carne, deu uma
dentada, daquelas vigorosas, no fruto. Foi tão violenta a mordida do magano que
ele partiu o pequi ao meio. E como quem conhece o fruto bem sabe, após a carne ‘a
ser roída’ e antes de se chegar à castanha, o pequi é composto de uma camada de
espinhos. Minúsculos, que se grudam na língua, caso o fruto seja mordido, como
o foi. Só ouvimos um grito surdo, de dor e espanto!
Uma semana depois, ainda ríamos –
maldosamente – da cara que fez o cidadão que quis se passar por autoridade para
levar vantagem do povo de Pirapora. E como a natureza é sábia, e já dizia
minha avó, “aqui se faz, aqui se paga”, o pequi vingou-se do espertalhão que
queria tirar vantagem da hospitalidade mineira. Até outro dia tinha-se notícia
de que ele se via às voltas com os espinhos do pequi na sua língua...
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