Os chifres do Zé
Texto escrito para a seção "Um conto por ‘um conto’".
Publicado no jornal Folha do
Oeste, em 1º de agosto de 1985, sob o pseudônimo ‘Fernandez’
O Zé da Tina, rapaz trabalhador,
homem bonito e educado era “a joia” da família Silva, grandes fazendeiros do Sul
de Minas. Para rapaz tão destacado, nada menos do que Márcia Silveira, a
Marcinha. Morena cor de jambo, olhos verdes, “a formosura em pessoa” como
gostavam de defini-la. E como era de se esperar, as
famílias concordaram e os dois se uniram, dizendo o ‘sim’ em uma bela tarde de
sábado, dia de festa na Fazenda Boa Sorte, dos Silveira. O casal parecia mais
com um casal de pombos, sempre juntinhos, ele trabalhando muito e ela dirigindo
a casa grande da Fazenda Silva/Silveira – que era como chamavam a nova propriedade –
com toda a graça que Deus lhe deu. Nos finais de semana, reuniam os parentes e
amigos para um joguinho de cartas, umas pinguinhas para esquentar, um pouco de música, a comida farta, e os dois,
sempre unidos, muito apaixonados, deixando seus pais com a certeza da boa
escolha para o futuro dos herdeiros.
No verão seguinte, o primo do Zé da Tina,
o Aguinaldo, mais conhecido por Guinaldo, veio à fazenda conhecer a esposa do
primo e passar uns tempos no campo, o que ele gostava demais, pois nestas
oportunidades sempre conseguia 'pescar uma caipirinha' – como ele gostava de denominar suas conquistas. Dizia que estas sim, as meninas do interior, as 'caipirinhas', eram as verdadeiras mulheres, sem a ‘poluição’ da
cidade grande.
E o Guinaldo chegou à fazenda. Um
rapaz bem aparecido, 1,75 de altura, belas palavras para os momentos de prosa,
um verdadeiro cavalheiro da capital, como diziam seus parentes e amigos. O
primo Zé, foi recebê-lo na estação de trens, com a formosa Marcinha. O fim de
semana na fazenda foi bastante movimentado, pois era época de comemorar o primeiro aniversário de casamento do Zé com a Marcinha. O danado do Guinaldo conseguiu,
sem muito esforço, conquistar duas ‘caipirinhas’ das redondezas. Mas o conquistador não estava
satisfeito, pois passadas algumas noites, sonhou com a prima Marcinha. Do
sonho, passou à prática e começou a arquitetar seu plano de aproximação e
tratou de colocá-lo em prática na primeira oportunidade, assim que o primo Zé saiu para o trabalho.
Tomavam café, ele e a prima,
quando começou o ataque do Guinaldo. “É... o primo é um homem de sorte...”,
disse. “Mas por quê, primo?”, respondeu Marcinha. “Conquistar uma moça tão
linda assim como você”, completou. “Mas que nada, primo. Você é um homem
bonito, educado, estudado, mora na capital, bem financeiramente”, lembrando que
Guinaldo era dono de uma fábrica de cosméticos que lhe rendia bons trocados. “Deve
ter muita moça bonita doidinha com você”, completou a prima.
- “Pode ser, mas lá não tem uma
mulher com essa beleza toda. O que eu não entendo, prima, é por que tanta beleza
ficar aqui escondida. Se morasse lá na capital, ia ter uma vida diferente, quem
sabe modelo de capa de revista... Eu mesmo teria o maior prazer em colocar os
produtos da minha fábrica para ser anunciados por você”, jogou a isca.
- “Verdade, primo”, admirou-se
Marcinha. E por ali a conversa rendeu, foi-se esticando e Guinaldo tecendo a
sua teia de conquistador. “Prima, desde o momento que te vi, tive a certeza de
que aqui estava a mulher mais bonita que já tinha visto. Se você quisesse, te
levaria agora para a capital, para estrelar as peças de publicidade da minha
fábrica. Você seria a modelo mais desejada pelas agências...” e continuou a
falar, mas já tocando o rosto da prima, segurando sua mão, e unindo palavras a
gestos.
Sem se dar conta, Marcinha foi se
entregando, deixando-se envolver e mais alguns instantes, estava já nos braços
do primo. Ele dominava aquele corpinho escultural, aquele par de pernas...
Começou ali, e perdurou por quase uma quinzena, a paixão de Guinaldo e Marcinha
que, sem se dar conta, deixou-se levar. Com o Zé, ela esfriou. Fugia ao seu
toque, escapava à sua aproximação. E ele então pensou se tratar de problema de saúde da esposa, quis leva-la ao
médico, mas tinha que ser um excelente doutor, pensou. “A Marcinha merece o
melhor”... disse para si mesmo.
E, sem saber, deu o golpe de misericórdia
no seu casamento, aquela união, tão feliz no primeiro ano. O primo Guinaldo,
sabendo das preocupações do primo Zé, se propôs a indicar o médico seu
conhecido, da capital, “doutor dos melhores”. Era o mínimo que poderia fazer,
depois da recepção do primo e de sua esposa. E o Zé, coitado, concordou. E lá
se foram, Marcinha e Guinaldo, rumo ao médico que devolveria a esposa do Zé,
com toda sua graça, beleza, e carinho de sempre...
Algumas horas após a partida da
esposa, com o primo, Zé da Tina, sem lugar na casa, entrou no quarto para ‘sentir
a presença’ da Marcinha. Aquele quarto onde os dois se entregaram tantas vezes
um ao outro. Um frio na espinha. Em cima da cama um papel, parecia uma carta,
um bilhete. Ao abrir o papel, para ler o que estava ali colocado, com a
letrinha caprichada da Marcinha, Zé sentiu uma forte dor na cabeça. Era a dor
mais doída da sua vida. A dor do chifre que ele passou a sentir.
- “Zé, não dá mais para continuar
te enganando. Você foi muito bom pra mim, mas não dá mais. Não me procure, pois
encontrei o amor da minha vida. Vou morar com o primo Guinaldo e brilhar, com
ele, na capital. Adeus Zé. E obrigada por me apresentar seu primo, a minha
felicidade”. E assinou. ‘Marcinha’.
O choro veio, o desespero, o
ódio, o gosto de sangue na boca. A vontade de matar os dois, ou só o Aguinaldo,
“pois vai que a Marcinha arrepende”... Guinaldinho, vagabundo, destruidor de
lares, filho d’uma cadela, que me desculpe a Tia Maria, aquela vaca... Eram
tantos os xingamentos os desabafos, que ele nem sabia mais o que dizer. Só chorava.
Passados seis meses do ocorrido,
Zé da Tina até parecia conformado, foi à capital como estava sendo corriqueiro
na sua vida, ultimamente. E, lá, ia sempre a um puteiro. Ali, na região da Rua
Guaicurus, centro boêmio de BH. E levou um susto ao encontrar com a ex-esposa,
sua ex-formosa esposa, que brilhava como uma estrela pornô em busca de alguns
trocados daqueles homens que por lá andavam.
O Guinaldo, ah... ele se preparava
para uma viagem, depois de abandonar a Marcinha. Pelo que se sabia, Guinaldo
faria uma visita a um outro primo, o Pedro da Mel, que se casara há pouco tempo
com uma linda lourinha, lá pelos lados de Passos. Pensando bem, a esposa do
Pedro da Mel bem que podia estrelar as propagandas da fábrica de cosméticos...
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