Pinga no metro? Eu, hein...
Uma das piores coisas para o ser
humano, imagino, é se ver envolvido em uma situação jamais imaginada. Às vezes nos
sentimos espremidos por uma situação à qual chegamos, não sabemos como, quando,
por onde, nem por quê. E nesses momentos, nada melhor que a criatividade para
nos safarmos. Falando em criatividade, lembro de amigo que não era muito
chegado a enfrentar o batente e que foi arguido sobre o fato. Ao ser
indagado por um senhor, daqueles que gosta de “dar um pitaco” na vida alheia,
sobre sua alegada preguiça, “de onde vinha”, ele coçou a cabeça, andou alguns
passos pra lá e pra cá, mexeu nos bolsos, olhou o interrogador de frente, pigarreou
e saiu-se com essa: deve de ser porque papai teve um tio que era quebrador de
pedras para fazer calçadinha. Como a gente puxa os genes dos parentes, devo ter
recebido o 'gene do cansaço' desse tio-avô. Agora, queria mesmo é saber de onde o
filho do senhor herdou aqueles olhos verdes, cabelo loiro, pele branquinha, se
o senhor é mulato?...
Imediatamente o senhor da pergunta mudou de assunto, passou a fazer comentários sobre o tempo, a carestia, os problemas do bairro...
Sabidamente, meu amigo usou do
contra-ataque para se ver livre daquela situação inicial em que não tinha uma
resposta, digamos, muito convincente. E a vida é assim: sempre que estamos em
apuros, nos aparece uma saída honrosa para que não fiquemos com o ego muito
arranhado, rsrsrsrsrs.
Pois é, mas o caso que tenho para
hoje é mais ou menos na linha do comentário acima, porém em situação bastante diversa.
Falamos de uma viagem do..., pra quê falar o verdadeiro nome dele, não é? O
viajante, como sabíamos, era um capiau de quatro costados, como dizem os mais
experientes. É daqueles matutos que palita os dentes com a ponta do facão, só
ouve músicas do ‘Milionário & José Rico’, dando uma colher de chá, às
vezes, para o 'Teixeirinha', nada de curtir esse tal de sertanojo, ou melhor,
sertanejo universitário. Dito isto, vamos então denominar o viajante do relato
de hoje, de João, até porque o nome do personagem não altera o resultado da prosa.
Mas é preciso acrescer que João,
além de muito capiau, é ‘burro que nem porteira’, como dizem os mais chegados.
Solto no pasto, campeando gado, com uma enxada nas mãos, caçando, pescando,
cuidando da horta, é tranquilo, pacato, uma ‘boa pessoa’. Mas, quando precisa
lidar com os ouros, torna-se um outro homem. De matuto dócil, ingênuo,
transforma-se em ignorante, daqueles que não responde nada sem um ‘coice’, como
diz a sua esposa. Quando tem de ir à cidade, fecha a cara, reclama de tudo, das
coisas e, principalmente, das pessoas que vai encontrando pela frente.
Um dia, eis que o João foi para
BH, passar uns dias lá em casa. Foi para ‘conhecer a cidade grande’. No
princípio, não gostou muito da ideia, mas convencido, arriscou que seria bom ‘conhecer
novos ares’, isso, depois de uma meia dúzia de pingas e muitas histórias de que
seria uma boa coisa, passar esse dias na capital. Chegando lá, porém, João
ficou igual a um menino. Perguntando sobre tudo o que via, desviava-se dos
carros que vinham em nossa direção – mesmo estando dentro de um outro carro
rsrsrsrs – enfim, o João dava um show. Ao ver uma motocicleta ele fez um
escândalo danado. Gritava, “onde já se viu, fazer esses cavalos de ferro. Eu
num troco o meu baio por isso aí, nem morto, trem dos inferno!!!” E nesse clima
foram passando os primeiros dias do João na cidade grande. Um dia daqueles,
cismamos de levar o João ao teatro. Estava tudo calmo, mas quando começou uma
cena mais forte, e o bandido parecia que ia se dar bem na história, o João
queria, de toda maneira, tomar partido, subir no palco e dar uns tabefes no ator
que fazia o papel do vilão. Deu um trabalhão segurá-lo para que ele não
atrapalhasse o espetáculo... Mas aos poucos, ele ia se acostumando. Já pelo
décimo dia de sua estada, ele resolveu sair sozinho, 'para dar umas voltas
pelas redondezas'. Passadas algumas horas, nos reapareceu o João, com algumas
marcas no rosto, camisa rasgada e bufando igual a um boi bravo.
- Vou embora daqui, me leva
embora, aqui não é lugar de gente, não!!!, vociferava. E foi logo pegando suas
coisas. Não adiantava argumentar, então pus-me na tarefa de levar o João de volta
para sua casa, uma rocinha na Zona da Mata, no lugar chamado Macuco, ali
pertinho de Ponte Nova. Não adiantou puxar conversa, tentar acalmá-lo. Ele não
falou uma vírgula do que ocorrera. Só rosnava e dizia impropérios sobre “o povo
da cidade”.
Passados alguns anos, descobrimos
o motivo daquela exaltação toda. Naquele dia, ao sair para dar a volta nas
redondezas, João entrou em um bar ali perto, aproximou-se do balcão e pediu uma
pinga. O atendente, notando que se tratava de um ‘caipira, resolveu tirar um
sarro com ele. Respondeu que só vendia pinga ‘no metro’. João não entendeu a
brincadeira e perguntou quanto custava. Ao ouvir a respostam fez as contas de
cabeça e pediu “uns quarenta centímetros”. Aí o atendente resolveu continuar na
molecagem. Mediu 40 centímetros no balcão, e derramou pinga naquela extensão, dizendo:
tá aí a pinga. Pode beber.... Foi uma gargalhada geral. Todo mundo que estava
no local, rindo da brincadeira.
João, humilhado, de cabeça baixa,
foi saindo, de fininho... Os gozadores, junto com o atendente, saíram à porta,
ainda rindo daquela ‘figura caipira’. Mas aí ele parou, virou-se de uma vez e
voltou ao bar. Ao se aproximar do balcão, voltou a pedir: moço, põe mais
quarenta centímetros de pinga aí, pra mim. O garçom, gostando da arrelia, repetiu
a brincadeira. Aí o João falou: mas eu num vou beber aqui, embrulha pra mim,
que vou levar pra casa!
O balconista, de pronto,
arrematou: acabou o papel, não dá pra embrulhar!
- Pode embrulhar com a calcinha
da sua mãe. Eu num importo não, moço!!!, retrucou o João, de pronto.
Bem, aí não precisa contar o
resto, não é? Rsrsrsrs
Agora, passa a regra, traz a
conta e serve a pinga saideira, no copo, viu, porque eu sou de paz. rsrsrsrs
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