Um passeio de teco-teco e as imagens do voo...
Voar é um sonho do ser humano, que
vem sendo alimentado ao longo do tempo. E aí surgiu o Santos Dumont, que fez do
sonho realidade, se bem que nós, na verdade, não voamos, pois normalmente estamos
dentro de um objeto que o faz, denominado avião. Há os que voam pelos ares,
quando se explodem os locais onde eles estão, mas estes muito raramente sobrevivem
ao voo para contar histórias. Há ainda aqueles que passeiam em balões,
helicópteros e até paraquedas, mas o caso que aqui vou narrar foi um ‘passeio’ em
um teco-teco, ao qual me aventurei lá pelos anos 1900 e noventa e poucos, para fazer imagens aéreas de Itaúna. À
época, além de escrevinhar, também operava uma filmadora Panasonic Pv 610, captando
imagens para a TVI, predecessora da atual “TV Cidade de Itaúna”. Àquela época estava
ainda entre nós o piloto de helicóptero, avião, urubu e mais outros ‘voantes’,
o Junqueira. Ele trabalhava pilotando helicópteros na ponte aérea São Paulo-Rio de
Janeiro e, nas folgas, vinha para Itaúna, às vezes, voando. Aqui, gostava de
tomar umas e muitas outras, com preferência para a cachaça com Fernet (licor
amargo, preparado à base de ervas), unindo o sabor da cana com o amargo da
mistura, que era para “arrumar o fígado”.
E vez ou outra eu o acompanhava
em algumas cervejas geladas e algumas doses da caninha por bares da cidade.
Sempre me falava que o dia em que viesse com uma aeronave a Itaúna, me chamaria
para um passeio, para registrar a paisagem itaunenses. E eis que chegou o dia. Ele me ligou logo pela manhã e falou
para eu ir ao centro, levando a filmadora e uma blusa. Fui. Um calorão danado e não sabia o motivo da blusa, mas a levei. Nos encontramos na
antiga Lanchonete de Itaúna, na esquina da Praça da Matriz, com a Rua Silva Jardim, onde existia o
casarão do William Leão e embaixo, a referida lanchonete. Me apresentou um amigo, fotógrafo e já foi servindo
meu copo. Tomamos uma, duas cervejas e o Junqueira, com a voz grave, disse “vamos
lá, pro campo” e saímos em direção a um táxi que já nos esperava no ponto em
frente ao fórum. Acomodados no carro, mandou que seguisse para o aeroporto, que
era a denominação de um campo de aviação, que hoje dá nome ao bairro, erguido na divisa
com o Garcias.
Lá chegando, deparei com um
teco-teco, aviãozinho pequeno, de um motor, quase do tamanho de um “fusquinha
com asas”. Dois bancos na frente – um para o piloto e outro para o passageiro, e
mais um banco, apertadinho na parte traseira, onde fui acomodado. Notei que a porta do lado
direito da aeronave havia sido retirada, mas não perguntei o motivo. Acomodados,
o piloto deu a partida no motor. Pelo menos barulho o avião fazia, e muito. Com
o girar das hélices, uma nuvem de poeira foi levantada e seguimos pista afora,
observados por um grupo de meninos que soltava pipa nas imediações do campo,
alguns animais pastando, que pararam de ruminar a grama para ver o aviãozinho
seguindo em direção à cabeceira da pista. Tremendo, aos solavancos e urrando
muito, mais ainda do que quando o motor foi acionado.
Parecia que não levantaria voo. E quanto mais o danado urrava, mais eu tinha certeza de que não voaria e, amarrado pelo cinto de segurança, já me imaginava no pronto-socorro, com as costelas e mais uma meia dúzia de ossos partidos...
E foi quase uns 30 segundos de desespero até que, chegando a alguns metros da cabeceira da pista, o danado arremessou para o alto. Não sem antes passar por sobre os tetos das casas que estavam a ser construídas no Bairro Cidade Nova, para onde eu mudaria em alguns anos.
Passou tinindo, tirando fininho nos telhados, ameaçando pardais de atropelamento e eu, de olhos fechados, rezando, acionando os santos e ouvindo a menina gritando: “vai cair”, “não vai subir, não”, “vai acertar meu papagaio”, “disgramado, arrebentou minha linha”, “trem doido sô!”, e foi pro alto...
Aliviado,
arrisquei abrir um olho, depois o outro e vi o que se passava no banco da
frente. O fotógrafo, quase em pé, pisando sobre a asa direita do teco-teco, já
fazia as primeiras fotos... Aí estava o motivo pelo qual a porta da direita do avião tinha sido tirada. E um forte vento invadia o interior da aeronave, motivo pelo qual teria de usar a blusa. Como dizia minha mãe, "para tudo tem um motivo nesta vida!"
Seguimos para o alto e aí eu tive coragem de ligar a filmadora e iniciar as minhas imagens. Mas a cada tentativa, desligava, de novo, pois o aviãozinho não plainava como era de se esperar. Uma hora ele voava com a asa esquerda para cima e o fotógrafo pendurado pela porta, fotografando o que via lá embaixo. Depois invertia a posição, e eu só via o firmamento, as nuvens.
Tive, então, que deixar a máquina ligada, se quisesse captar alguma imagem.
E fomos até Divinópolis, onde o fotógrafo registrou a fábrica da Kaiser (ainda funcionava até aquela época) e voltamos, com ele, o fotógrafo
ditando os ‘caminhos’ do avião. Uma foto aqui, outra ali, uma casa, uma
fazenda, uma fábrica, a rodovia... e com isso, o aviãozinho fazendo curvas para
pegar o melhor ângulo, subia, descia de ponta, virava de lado, só não deu “cambalhotas”
no ar, mas voou em todas as situações, menos aquela planada em linha reta, para
deleite do passageiro... E a filmadora continuou ligada, captando tudo.
Aí, o Junqueira rumou com o aviãozinho para a Barragem. Aquele mundão d´água lá embaixo e eu lembrei que não sei nadar. Rebati o medo lembrando que também não sabia voar e estava nos ares... Seja lá o que Deus quiser, pensei.
Aí, o fotógrafo viu uma casa que queria fotografar. Ela estava encravada em meio a algumas árvores e em posição de difícil visualização para uma boa foto.
O Junqueira então embicou o avião pra cima, depois desceu de ponta, para que o fotógrafo fizesse o registro, de frente. Imaginei, vamos entrar na barragem, de bico... mas aí ele deu uma guinada com o manche (volante do avião, uma espécie de joystick de videogame rsrsrsrs) e o teco-teco fez uma rasante e voltou a subir.
Meu estômago foi lá no pé e, na subida do avião, foi voltando ao
normal. E, de novo a mesma manobra. Na terceira vez da manobra, eu não aguentei e o estômago
saiu pela boca...
O Junqueira viu que eu estava branco, transparente, olhos arregalados e cabelo ‘espetado’, com todos os fios apontados para cima, em estado deplorável... Aí ele voltou para o aeroporto, onde o táxi nos esperava.
De lá, fui pra casa, para tentar me recompor. Chegando lá, onde eu morava, na Vila Vilaça, Minha Marli, o Silézio ainda criança e a vizinhança me aguardavam para saber como tinha sido a aventura, visto que o radialista Maurício Aguiar informou em seu programa que “esse avião que está fazendo rasantes sobre as nossas casas, tem o Sérgio Cunha, que está filmando a cidade para mostrar na Tevê Integração...”.
Eu não tive condições de contar o que se passou 'lá em cima', para desaponto dos vizinhos e familiares.
Fiquei o resto do dia, na cama, até me recompor do susto e voltar ao normal.
As
imagens? A Virgínia, que trabalhava comigo, tentou assistir, mas não conseguiu.
Disse que o estômago embrulhou de tanto que o avião balançava...
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