Ele só queria uma sopa quente... mas está tudo tão mudado!
José era um cara simples. Não tinha nada nele que destoasse do dito “normal”. Mas nos últimos tempos ele notava uma diferença grande entre o que ele fazia, pensava, e o que via em relação às outras pessoas. Veja você: neste tempo frio, o que José mais queria era uma sopa quente, talvez um chá fumegante, uns biscoitos. Já os amigos, os vizinhos e até os parentes, queriam “cho-co-la-te quente!”, assim mesmo, dito pausadamente (é mais chique!).
Para ele, a sopa ou chá, uma blusa, já era o suficiente. Para que essas modernidades de chocolate, suéter, capote?
Mas isso ‘era o de menos’, pensava ele. Agora as pessoas afirmam que é preciso ter um aparelho de telefone que tire muitas fotos em alta resolução, que dê acesso à internet 5G. O carro? Não pode ser o Fusca, tem que ser um SUV... Renegade, RAV4, Cross...
Aquele pêefe no buteco da esquina já quase não existe mais. O negócio agora é a refeição gourmet. Está tudo ‘gourmetizado’, pensou ele ao lembrar que pagou 'uma nota' por uma sopa de feijão branco, com linguiça e cenoura que o chef chamou de ‘cassoulet’, no restaurante em que foi jantar com a namorada, a Elzinha...
Pensando nessas coisas todas, enveredou para o caminho dos comportamentos dos amigos e dos conhecidos, que mudaram tanto de uns tempos para cá.
Lembrou do Saulo, que era o maior mulherengo do bairro e que agora pregava a defesa da família. Do Bastião, que bebia café com álcool na falta da cachaça e agora era “juiz-da-moral-alheia”, apontando o dedo contra todos e tudo.
Aí, lembrou das notícias que assistiu no telejornal da manhã: o vereador que propôs lei para obrigar a abertura das reuniões na Câmara com uma oração; o pastor que indica em quem o fiel deve votar; o padre que reclama da falta de pagamento do dízimo, uai, mas este continua igual (rsrsrsrs)...
É, as coisas estão mesmo mudadas, pensou ele. E concluiu: e eu, que só queria uma sopa quente, ou um chazinho fumegante, para espantar esse frio... Bbbrrrr...
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