As fotografias do “fantasma do coronel”


Se você conhece alguém que nunca ouviu contar uma história de fantasma, pode saber que esta pessoa está mentindo, sem qualquer receio de errar. “Fantasma é assim, como um ‘bicho de estimação’ no nosso subconsciente”, me disse uma vez um amigo tirado a filósofo. E não é que ele tinha razão? Só que eu vou mais longe e acho até que fantasma é ‘bicho’ presente no nosso dia a dia...

Só para clarear sua ideia, meu caríssimo e inteligentíssimo leitor (gostou da puxação?), fantasmas têm sido personagens importantes em CPIs deste nosso Brasil. São contas-fantasma, sócio-fantasma, doleiro-fantasma, deputado-fantasma, funcionário-fantasma... e só não são fantasmas os rombos causados nos bolsos dos cidadãos brasileiros.

E tem também aqueles fantasminhas que se escondem nos recantos de armários dos quartos de dormir quando o deus-e-santo-senhor-dos-lares aparece em casa repentinamente para saber o que a deusa-senhora-do-lar está a fazer, como dizem nossos patrícios de além-mar. Mas o caso de hoje não diz respeito a estes fantasmas daí de cima, nenhum deles. Nosso fantasma de hoje é um ex-cidadão, ex-proprietário de terras e, consequentemente, ex-morador do norte mineiro.

Naquela bela região, onde os rios São Francisco e das Velhas dão show de beleza e vida e até se encontram para continuar o caminho pelo sertão afora, em uma fazendinha fincada em terras varzeapalmenses, havia residido há muitos anos um pretenso e autodenominado coronel, que prometera assombrar a vida de todos os que posteriormente ali vivessem, como afirmavam moradores das redondezas. E não é que todos aqueles que arriscavam passar a noite naquela fazenda, ouviam ruídos de cavalos, vozes e mais um montão de barulhos característicos do dia a dia na fazenda, e até alguns chegaram a afirmar que viram seres assustadores nas noites da fazenda. Um detalhe: a voz ouvida se parecia demais com a do coronel, como diziam os colonos, o que aumentava a ‘importância’ das narrativas. E a história corria chão pelo norte mineiro. Naquela região não tinha viva alma que não soubesse de algo assustador ocorrido na fazenda do coronel, que tinha por denominação ‘Fazenda Rancho do Rio’.

Tirando a assombração do coronel, até que o local era bonito, cheio de atrativos. Muito verde, plantações, animais por todo lado, os domesticados e muitos silvestres. Pássaros os mais variados, aves outras que percorriam a terra, macacos, capivaras e até onças, como diziam tropeiros que corriam as estradas do lugar. Mas a assombração, sem dúvidas, era o maior ‘atrativo’ da Rancho do Rio.

A fama correndo mundo, encontrou um valentão lá pelas bandas de Diamantina, que afirmou aos amigos: “vou lá na Rancho do Rio, dar um fim nessa assombração. Vou mostrar que cabra macho não bambeia as pernas por causa de uns barulhinhos de morto. Vou rezar um t’esconjuro na hora que a assombração der sinal e mandar ela de volta pro além, que é lugar de morto viver!”, falou ele, colocando ênfase em algumas palavras. E assim, passou da fala à ação. Foi para a Rancho do Rio, enfrentar o fantasma do coronel.

Muita gente ficou à espera do que aconteceria com o ‘Caçador de Fantasmas’ lá de Diamantina, que tinha certa fama de valentão, construída ao longo dos anos e com muita história de feitos daquele homem. E com o valentão, alguns amigos que também se afirmava corajosos e apregoavam não temer ‘almas do outro mundo, se arrancharam todos nos aposentos da fazenda.

Eu, que não sou lá muito chegado a convívio com mistérios, que arrepio os pelos do braço só de lembrar de alguns casos de infância, acerca das assombrações daquela época, mas que tinha por obrigação registrar a ‘caçada ao fantasma do coronel da Rio Rancho’, para a gloriosa Folha do Vale do São Francisco, jornal que noticiava o acontecido em Pirapora e entorno, incluindo aí, Várzea da Palma, onde ficava a fazenda, engrossei a comitiva. Lá fomos nós na empreitada. Ao todo, vinte e um cidadãos. Vinte ‘caçadores de almas do outro mundo’ e um texticulista metido a corajoso, por honra e glória da escrita.

Em lá chegando, cada um escolheu seu cantinho para pousar o cansaço da viagem em lombos de burros que nos guiaram pelas mais de duas dezenas de quilômetros de estrada de terra e muitos trechos que eram só trilhos em meio ao mato. E a explicação de termos ido montado em burros é pelo simples motivo de que, apesar da denominação (burro), este animal é mais inteligente que os cavalos e ‘pressente’ a presença do sobrenatural com um índice de acerto invejável, conforme os matutos. “Se um burro não quiser ir a algum lugar, passar por algum trecho, não o force a ir até lá. Com certeza, naquele local estará alguma coisa do ‘outro mundo’”, afirmam esses matutos, lembrados agora há pouco.

Pois bem, explicado o porquê de irmos montados em burros, vamos adiante na história. Lá, chegados, cada um escolheu o seu quarto, com o cuidado de que tivesse nele mais de uma cama. Motivo simples: todos eram corajosos, mas com coisas do além não se brinca e um companheiro por perto sempre é bem-vindo. Só o valentão de Diamantina é que ficou em um quatro, sozinho. Exatamente no quarto onde vivera o coronel que hoje assombrava a casa da fazenda.

Na primeira noite passada na Rancho do Rio, nada de o fantasma aparecer. O cansaço da viagem deve ter feito com que dormíssemos o dito “sono pesado”. No dia seguinte não se falou sobre outra coisa que não fossem assombração, fantasmas, mula-sem-cabeça... O clima ficou tétrico, fantasmagórico...

Na segunda noite, ouvimos uns gemidos ao longe. Aquele som assustava mais que assaltante à mão armada nos esperando na esquina. Ninguém dormiu. Era um gemido abafado, hora perto, hora mais longe... um gemido diferente. A noite inteirinha ouvimos aqueles gemidos. Eu, cético, quis crer que aquilo tinha uma explicação. Naquela ocasião não encontrei nada que explicasse o fato. Só mais recentemente, conversando com minha esposa é que tomei conhecimento de que aqueles gemidos podem ter sido emitidos por uma ave: a ema. Esta ave ainda abunda pelas matas e pastos daquela região e, conforme me explicava a Minha Marli, são comuns os ‘gemidos’ assustadores das emas, à noite. Mas à época, fiquei sem explicação e isto ajudou a aumentar o clima de mistério que reinou na quase uma semana em que ficamos hospedados, na busca de um fantasma, na Rancho do Rio.

Na terceira noite, além dos gemidos da noite anterior, que se repetiram, também ouvimos passos no quintal e alguma coisa ‘esquisita’, no telhado.

Mais um dia de casos e, claro, bravatas dos valentões presentes. “Se visse o fantasma, jogava ele no chão, amarrava com uma corda de bacalhau que sempre trago comido e mostrava pra todo mundo, no outro dia. Depois, rezava umas reza-bravas para despachar o fantasma de volta pro outro mundo”, falou um ‘caçador’. Outro já disse que ia armar umas armadilhas pra prender o fantasma do coronel e, depois, venderia o fantasma para o circo de um conhecido seu, para servir como atração circense, “cês vão ver!”, afirmou. Teve um outro que falou que “eu mato esse fantasma, se encontrar com ele. Sangro o bichinho com meu punhal de prata!” Um até disse que se visse o fantasma “jogava ele num rolo de arame farpado que tem no canto do quarto e depois prendia ele num laço”. Mas o Valentão de Diamantina era mesmo insuperável:

- Da última vez que encontrei com um fantasma, de frente, ele me deu um pouco de trabalho. Truvamos no braço. Tive que dar umas cabeçadas nele, depois dei uma rasteira, para jogar ele no chão e segurei ele ali, preso. Com ele imobilizado, passei uma corda prendendo seu corpo e deixei ele lá, amarrado, num canto... mas o bicho quase escapa. Com o raiar do dia, o danado ia ficando invisível, porque fantasma só aparece de noite. Só não escapou porque eu pensei rápido. Fechei todas as portas e janelas, tapei as greta do telhado e escureceu tudo. Aí ele achou que era noite de novo e apareceu, aí, não podia esperar e não tive pena. Joguei água benta nele e rezei um t’esconjuro que é a reza própria pra esses casos. Aí ele foi berrando para o outro mundo, mas foi, ah isso foi!”

Após contar o caso, experimentou as glórias de quem é o maior, o melhor... atraiu os olhares e a atenção de todos. Ficou um silêncio para cortar com faca depois dessa fala. Só não teve aplausos porque não apareceu ninguém para puxar as palmas...

Já na quinta noite nossa lá na Rancho do Rio, por volta das duas horas da madrugada, ouvimos uns gritos assustadores. Mas não eram gritos de fantasmas, era de gente viva mesmo. Corremos até o local. Alguns munidos de água benta, terço, crucifixo, pois vai que o fantasma estava lá... Outros de porrete, facas, rede, corda e o que mais se pudesse imaginar. Eu, com uma máquina fotográfica e o gravador...

Ao abrirmos a porta do quarto de onde vinham os gritos, disparei o flash da máquina fotográfica. Consegui fotografar o Valentão de Diamantina, que até então eu não sabia o verdadeiro nome e só então descobri ser Juraci, o popular “Juro-que-é-verdade!”, muito conhecido no Vale do Jequitinhonha. E o Jura estava amarelo, cabelos arrepiados e com as calças molhadas pelo xixi solto pelo susto. Ele tinha a aparência de quem se encontrou com o próprio ‘demo’, com o ‘tinhoso’ em pessoa. Mas, no quarto em que ele estava, nada de anormal.

Após socorrer o valentão tentamos ouvir dele o que tinha acontecido. Com palavras quase indecifráveis, tamanho o medo que se apossou do agora ex-valentão, conseguimos entender que após os gemidos e o barulho no telhado, ele viu uma sombra na parede do quarto de uma coisa horrível, que parecia um inseto gigante que se aproximava para devorá-lo. E foi se aproximando, se aproximando, e ele tentando fugir, e a sombra se aproximando, tão horrível, que ele não resistiu e gritou. Pôs a boca no mundo no mais alto que podia... aí foi o que encontramos. Ele, amarelo, todo arrepiado e com as calças mijadas. Fantasma tão pavoroso como aquele ele não tinha notícia e nem ia ficar ali para saber mais...

E os outros valentões, foram saindo do quarto, um a um, e a maioria já se preparando para imediatamente deixar o local, onde nem o maior dos valentões conseguiu ficar. Foram ajuntando bagagem, resmungando pragas, pois ficar ali onde um fantasma tinha aparência de monstro e atacava assim, daquele jeito, não dava. “Fantasma de gente é uma coisa, eu enfrento. Mas quando ele vira monstro, aí não dá”, disse um. “Fantasma que tenta engolir a gente é perigoso, nunca vi. Vou-me daqui”, disse outro. E assim, cada um com a sua desculpa, foram saindo, abandonando a empreitada.

E eu, logo vi que minha notícia nas páginas da “Folha do Vale”, seria o de sempre: “não estava elucidado o caso do fantasma do coronel da Rancho do Rio”. Pronto... Era muito pouco. Então, reunindo toda a minha coragem, meu amor à profissão, minha curiosidade, fiquei mais uma noite na fazenda, para tentar descobrir mais alguma coisa que desse uma matéria melhor que o mesmo de sempre. E fui mais longe. Mudei com todas as minhas coisas exatamente para o tal quarto, o antigo quarto do coronel.

À noite, deitado de roupas e sapatos calçados, pois se tivesse que sair correndo, já estava pronto, e com a máquina fotográfica e o gravador a postos, pois poderia ter que gravar algum diálogo com o fantasma-monstro, fiquei á espera...

No canto, uma lamparina acesa. As horas passavam, o sono rondava e eu, lá, esperando. Passei a prestar a atenção na chama da lamparina, que era a única coisa que se movimentava naquele quarto. Amarelada, soltando um canudo de fumaça intermitente, como se fosse uma mensagem indígena, como nos filmes antigos de faroeste. Aí, descobri o monstro que quase matou o Valentão de Diamatina de susto. Num móvel, à frente da lamparina, passou um inseto parecia formiga, mas com asas. Com a passagem do inseto, foi projetada na parede em frente, uma sombra, causando a visão distorcida que parecia um monstro, mesmo. E ainda tinha a sombra dos tufos de fumaça, ampliando a imagem...

Visualizei a manchete da próxima edição do jornal, imediatamente. Eu peguei o inseto, fiz que com ele refizesse o caminho anterior e foquei a máquina na sombra da parede. Disparei, uma, duas, três, quatro, várias vezes. A sombra foi mostrada em vários ângulos. Fiz o inseto refazer o caminho uma meia dúzia de vezes, acho até que ele se cansou, rsrsrsrs.

Na edição seguinte do jornal, a matéria com destaque: “repórter da Folha consegue imagens do fantasma-monstro do coronel da Fazenda Rancho do Rio”. E no texto, contei toda a história, com detalhes. Teve espaço até para as fotos do valentão, agora ex-valentão, do Vale do Jequitinhonha. O fantasma? Bom, ele continuou sendo alvo de muitas histórias da região, por ainda muito tempo e, agora, tinha até imagem que comprovavam a sua existência... 

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