Aquela mulher loira que era... um assombro!

 

Quem é mineiro, já viajou pelos nossos interiores e não conhece um caso de assombração, está mentindo. Não existe interior e até periferia de grandes cidades mineiras em que não se conte um caso, pelo menos, de assombração, alma penada, esses bichos todos que povoam a imaginação do nosso povo. 

Eu, então, tenho uma penca de casos desses pra contar. Quando criança, até meus cinco anos, mais ou menos, morávamos na Rua Caparaó, no Bairro Bonfim, no quintal da minha avó Cidália, em um lote onde o portão dava de frente para o portão principal do Cemitério do Bonfim. E continuamos frequentando o lugar por muitos anos mais, pois a avó, tios (inclusive minha tia e madrinha, Laurinda) e primos moravam lá. 

Hoje, uma sobrinha muito querida e minha primeira sobrinha neta residem naquele endereço. Pois bem. De lá, mudamos para o Bairro Ipiranga, onde ficamos por um tempo, e de lá me lembro do time do 'Dínamo', que meu pai treinava e jogava, além do meu tio Toninho. 

Depois, fomos morar no Bairro Araruama (nos Gorduras, hoje Bairro Nazaré, em BH), onde vivi minha meninice e juventude. Comecei a trabalhar cedo, mas sobrava tempo aos finais de semana para as partidas de futebol onde vi verdadeiros craques jogar descalços, às vezes de ‘Conga’, e teve até ‘Kichute’ nos pés de alguns mais ‘endinheirados’. 

A bola das partidas de futebol era de borracha, da marca “Dente-de-leite” e algumas vezes contávamos com a de couro, que lustrávamos com sebo de boi. E a turma certa das peladas era grande: Guimarães, Malacau, Zé Carlos, Toninho Iaúca, Lelé, Dinho, eu e meus irmãos Silézio e Sílvio, Joaquim, Márcio, meu compadre Luizinho, o Luiz Coxinha, Adilson... Os craques eram o Silézio e o Joaquim. Não podiam colocar os dois no mesmo time, senão era “mamão-com-açúcar”...

Mas o caso aqui é de assombração e a figura central foi o meu compadre Luizinho, que era ainda rapaz.

Sempre aos sábados, após as ‘peladas’ que é como chamávamos as partidas de futebol, saíamos para as festinhas, denominadas “bailes”, nas redondezas. Mas no período de “Quaresma”, eram raros os bailes e tínhamos de nos contentar em reunir a turma em um boteco, tomar umas geladas, jogar sinuca e prosear. 

E na Semana Santa, então, era mais complicado ainda. Nada de festejos. Os mais velhos não varriam a casa, falavam baixinho, não ligavam o rádio... 

Nós, rapazes à flor da idade, não cumpríamos com esse ritual. E foi em uma Quinta-Feira Santa que, após a partida de futebol, saímos para tomar umas. Só um boteco na região abria naquele dia. E para lá fomos nós, no final da Rua 3, cerca de uns dois quilômetros da pracinha, perto das nossas casas. 

Fomos, bebemos e ficamos enrolando, até mais tarde. Aí, eis que uma mocinha, loira, muito bonita, chegou no bar. Ela olhou o Luizinho e parece que gostou dele. Sorriu a uma brincadeira que ele fez, aceitou a conversa e os dois passaram a prosear. 

Daí a pouco, Luizinho e a loirinha saíram. Já estava tarde, ele disse que a levaria até a casa dela e nós também fomos saindo. Descemos a rua, andamos até a pracinha e ali ficamos trocando as últimas impressões e, lógico, comentando sobre a beleza da mocinha que o Luizinho fora levar em casa. 

Daí a pouco vimos alguém em desabalada carreira morro abaixo. Amarelo, esbranquiçado, olhos arregalados, lá vinha o Luizinho, correndo mais do que nunca o tínhamos visto correr.

Num átimo chegou perto da gente, tremendo todo, assustado. Conseguimos acalmá-lo um pouco e pedimos que explicasse o que era aquilo, aquele ‘esbaforimento’ todo... 

E ele, aos poucos, foi contando: “aquela loirinha, coisa do demo... fomos andando, conversando, chegamos na esquina e tinha um pessoal tocando samba... ela foi para o meio da roda, dançando, conhecia todos eles... me chamou, eu fui chegando, aí ela pegou no meu rosto, parou e ia me beijar...”

"Conta, conta", pedimos. “Aí... aí...”, “cooontaaa logo, cara!”, gritamos. 

“Aí ela sumiu, junto com todo mundo, e ficou só um cheiro danado, uma catinga, de enxofre... e eu dei no pé...”, falou ainda tremendo. 

Foi ele acabar de contar e vimos ao longe uma moça, parecia loira... 

Fugimos todos, correndo, cada um para a sua casa. Nunca mais juntamos a turma para beber na Quinta-Feira Santa...

Comentários

  1. Muito boa !!!! Eu não só li como visualizei kkkkkkkk Parabéns Sergio Cunha adoro seus contos e causos kkkkkkkkk show !!!!!

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